A autora Lígia Amaral no livro inicialmente ressalta através
da linguagem apelativa e extremamente realista, o que estamos acostumados a
encarar “crioulo doido”, “quatro olho”, “surdinho”, “cegueta”, “mula manca”,
expressões que dificilmente passaríamos em nossas vidas impunes de
pronunciá-las. Além do mais, quem jamais pronunciou tais expressões mesmo por
brincadeira? – A intensidade dita significativamente a marca preconceituosa e
inata dentro de cada um de nós, verdadeiro obstáculo natural que impede o “ser
diferente” de viver em plenitude. É o que diz Lígia em seu parágrafo
“...estaríamos muito perto da resposta: a presença de preconceitos e a
decorrente discriminação vivida, ainda com mais intensidade, pelos
significativamente diferentes, impedindo-os, muitas vezes, de vivenciar não só
seus direitos de cidadãos, mas de vivenciar plenamente sua própria infância.”
(sobre crocodilos e avestruzes, p.12)
A
autora conceitua de início DIFERENÇA SIGNIFICATIVA, ou seja, tudo aquilo que
temos ideia e que chamamos de vocação de componentes da natureza, para
entendermos nossos padrões de semelhança. Um ponto de partida é compreendermos
nossas semelhanças onde estamos incluídos como seres humanos. Todos nós
conseguimos definir características básicas como: cabeça, tronco e membros
superiores e inferiores, reconhecimento da fala e toda motricidade humana. Isto
é o normal de cada um e qualquer alteração dessa forma e função, remete-nos à
categorização de diferente, desviante e com deficiência.
Como
prova dessa categorização, a autora cita em seu parágrafo o que dificilmente
deixaríamos de afirmar como “tipo ideal” a ser seguido: “Todos sabemos (embora
nem todos o confessemos) que em nosso contexto social esse “tipo ideal”- que na
verdade faz o papel de um espelho virtual e generoso de nós mesmos-
corresponde, no mínimo, a um ser: jovem, do gênero masculino, branco, cristão,
heterossexual, física e mentalmente perfeito, belo e produtivo.”
Qualquer
que seja o distanciamento dessas condições, causaria a categorização
depreciativa ou validação do outro. Perpetuar e reconhecer esse “tipo ideal” é
legitimar o preconceito e estigma. O reconhecimento do preconceito deveria ser
sob caráter essencialmente reflexivo, avaliando e contextualizando o
questionamento da normalidade e anormalidade que, geralmente levamos a julgar
algo ou alguém.
O
que é ser diferente? Todos nós somos diferentes, mas porque então as pessoas
querem que você seja como elas, fale como elas, se vista como elas, tenham
atitudes que elas?
O
que realmente há, é a intolerância diante das diferenças, tanto das físicas,
como as de personalidade ou de comportamento. E se você não se enquadra no nos
parâmetros da sociedade ou do grupo, assim como sua fala ou suas atitudes, quer
dizer que você é diferente delas, infelizmente é assim a sociedade de hoje. A
diferença é saudável, é com ela que refletimos, que encontramos caminhos, e
tudo isso nos torna mais flexíveis, nos dá maior sabedoria para enfrentar as
dificuldades, de entender que nem tudo é como acreditamos, que nem sempre a
tirania de nossa mente, de nossos desejos prevalecem diante do outro, que não
somos os donos da verdade e se esta verdade existe mesmo, pode ter certeza de
que cada um tem a sua, que muitas vezes estamos tão acostumados a questionar,
criticar e dominar, que esquecemos que somos humanos, que esquecemos de nos
perguntar “o que sou?”.
Quando entendermos a “diferença” não como afastamento,
ostracismo, mas como a oportunidade de vivenciarmos novas possibilidades de
convívio diante de limitações, entenderemos o quanto somos limitados/as quando
não nos damos a chance de vermos a nós mesmos no outro, mas também aprendemos
que um mundo de possibilidades é possível quando enxergamos no outro não seus
possíveis “defeitos”, mas as suas nuances infinitas que podem contribuir para
valorizarmos cada vez mais a vida e a dignidade humana, este sim, deve ser o
parâmetro para qualquer relação humana, seja na escola ou fora dela.
Conclusivamente, externamos a
necessidade de sairmos da posição de avestruzes, transformando nossos
pensamentos e anseios em objetivações, em ações práticas que se materializem no
dia-a-dia, utilizando as pontes movediças do conhecimento teórico-científico
para transitar de maneira segura pelo rio das relações intra e interpessoais,
que estão repletas de crocodilos que levam a tonalidade e o peso do
preconceito, do estereótipo e do estigma.
AMARAL, L. A. Sobre Crocodilos e Avestruzes:
Falando de Diferenças Físicas, Preconceitos e Sua Superação. In: AQUINO, J. G.
(org.). Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e
práticas. São Paulo: Summus, 1998, 5ª edição, p. 11-30.
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